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Querida Rita Lee, sempre achei que seu nome era um pseudônimo. Quem poderia ter sido registrada com um nome TÃO legal?? Sempre te achei lind...

sexta-feira, abril 15, 2011

ESCUTATÓRIA (RUBEM ALVES)

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca ví anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caieiro que... não é bastante ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias dentro da cabeça sobre como são as coisas. Para se ver é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio Alberto Caieiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade...

A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de consideração... e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor...

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança...

Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio... abrindo vazios de silêncio... expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos... Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir são duas possibilidades: Fiquei em silêncio só por delicadeza, na verdade não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala, Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim, tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso o silêncio de dentro, ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

E comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência... E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... no lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar(quem faz mergulho sabe) a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar...

Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros. A beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a  beleza da gente se juntam num contraponto.

Aquilo que o coração ama fica eterno.

Escutar é uma arte que poucos dominam.

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